No último dia 16, a Corte reconheceu, em julgamento conjunto das ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) nº 5824 e 5825, que a garantia constitucional de imunidade a deputados federais e senadores da República, grafada no artigo 53 da Constituição Federal, se estende aos deputados estaduais
Afasta de mim este cale-se: a garantia da palavra do Parlamento
“A palavra é o instrumento irresistível da conquista da liberdade” – Rui Barbosa
Houve, enfim, em 16 de dezembro de 2022, o abraço pelo Supremo Tribunal Federal à tese exaustivamente defendida pela Procuradoria-Geral da Assembleia Legislativa de Mato Grosso, durante a gestão do deputado Eduardo Botelho no ano de 2019, na época em que tive a honra de chefiá-la – a noção, simples mas basilar, de que o respeito e reverência às deliberações dos representantes diretos do povo perpassa o respeito às suas prerrogativas inscritas tanto na Constituição Estadual quanto na própria Constituição Federal (§ 1º do art. 27).
Sabe-se que a palavra pode ser aparato de calúnia, de difamação, de injúria. Pode, contudo, ter também o poder de defender, de restaurar, de preservar. A palavra é, por isso, a espada tanto do advogado (defendendo, restaurando e preservando direitos) quanto do legislador (defendendo, restaurando e preservando a democracia).
Em regra, preservam-se os direitos do advogado de defender direitos por meio da atuação legislativa, enumerando prerrogativas e deveres, como na Lei Federal 8.906/94 (Estatuto da OAB). Curiosa, contudo, a situação na qual a palavra do advogado é necessária para preservar a palavra do legislador.
À vista disso, a ADI n° 5825 questionava dispositivos da Constituição Estadual (§§ 2º a 5º do art. 29 da Constituição do Estado do Mato Grosso, com a redação da EC n. 42/06) que asseguravam a garantia parlamentar de deliberar acerca da prisão de seus membros, em sintonia com a Constituição Federal (§§ 2º a 5º do art. 53), a fim de evitar tendências ditatórias e antidemocráticas partindo de outros Poderes.
A ação em si já configurava um ataque a uma prerrogativa fundamental de qualquer democracia contemporânea. A procedência da ação significaria um significativo menosprezo à liberdade parlamentar e às prerrogativas de seus membros. Tolher-se-ia a o irrestrito respeito à palavra do parlamentar – palavra esta garantidora da democracia.
Após, então, uma atuação intransigente em defesa da ALMT, foi posto um ‘basta’ ao menoscabo ao parlamento. In casu, a palavra dos advogados legislativos assegurou tanto a permanência e o respeito à palavra dos legisladores (a EC n. 42/06) quanto às palavras futuras dos deputados estaduais de Mato Grosso, que poderão atuar sem medo de sofrerem represálias não-republicanas.
É claro que foram sombrios e taciturnos os momentos vividos até que houvesse a consagração da língua do justo, aquela do Provérbio bíblico 10:20. O mencionado provérbio consegue abarcar a relevância e a proteção que o julgado proporciona à realidade estadual e, quiçá, à conjuntura nacional como uma nova e magnânima referência.
De fato, “a prata escolhida é a língua do justo”, já que na conjuntura não haveria outra postura possível quando se carrega a virtuosidade e a coragem nas costas. Para o justo, “o coração dos ímpios é de nenhum preço”. Ou seja, é inescusável garantir a consagração da justiça em todas as atitudes humanas possíveis.
Entristece, todavia, que, por mais que o respeito ao parlamentar estadual deva ser questão comezinha, foi necessário tanto esforço por parte da Procuradoria-Geral para ver respeitada, no Judiciário, a deliberação do Legislativo. Há de se parabenizar os ministros Gilmar Mendes, Alexandre de Moraes, Ricardo Lewandowski, André Mendonça, Nunes Marques e (embora por motivos formalísticos) Edson Fachin, que respeitaram o parlamento mato-grossense e assentaram a constitucionalidade da Constituição Estadual.
Por fim, reafirmamos nosso compromisso solene: não abrimos e nunca abriremos mão de uma intransigente defesa da ALMT e das prerrogativas democráticas dos deputados estaduais. Restou no passado tempos em que se aplaudia a prisão parlamentar sem o devido processo político-constitucional. Nunca mais! Melhor “correr perigo com o que era justo, que, por medo da morte e do cárcere, concordar com o injusto” (Socrátes).
Ricardo Riva é Procurador de carreira da Assembleia Legislativa de Mato Grosso, atual Procurador-Geral da ALMT.
Grhegory Paiva Pires Moreira Maia é Procurador de carreira da Assembleia Legislativa de Mato Grosso, atual Consultor Jurídico geral do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso, doutorando em Direito Constitucional.